domingo, 2 de agosto de 2020

COMO FICA A ALFABETIZAÇÃO DURANTE A PANDEMIA?


Um dos principais desafios de quem trabalha com educação neste ano é atender crianças em fase de alfabetização.

Nos últimos dias, entrevistei professoras de diferentes escolas sobre o assunto e fiquei impressionada com o tamanho da dificuldade que enfrentam.

É claro que nem tudo o que conversamos será exposto aqui, até mesmo por uma questão de respeito e discrição.

A primeira entrevista que trago pra vocês é de uma profissional muito competente que me pede sigilo de sua identidade.

ENTREVISTA 01


Ce: Qual o seu nome*, escola* e ano para o qual leciona:
E1: Prefiro sigilo. Rede pública municipal de Gravataí.

Ce: Qual o perfil dos estudantes da turma?
E1: Crianças de 5 e 6 anos. Todos fizeram pré escola, porém dois não sabiam escrever o nome (vieram de creche). São muito afetivos, ativos, solidários.

Ce: Você já conhecia os estudantes antes do início deste ano?
E1: Alguns já conhecia porque frequentavam o pré na (mesma) escola.

Ce: Fale um pouco sobre sua metodologia de ensino à distância:
E1: Até então estava enviando atividades referentes ao que já havia trabalhado (revisão das vogais, alfabeto, números até 10).

Ce: Se sua turma possui perfis muito distintos (crianças que já chegaram alfabetizadas, semi alfabetizadas e não alfabetizadas), como você lida com essa diversidade cognitiva?
E1: Costumo fazer grupos em sala de aula. Colocando  alunos de diferentes níveis juntos. As atividades são as mesmas, mas mudo um pouco na forma de aplicar.

Ce: Você consegue perceber, à distância, quais habilidades se destacam em cada estudante?
E1: À distância fica muito difícil. Como os pais ajudam, fica complicado perceber no que a criança teve dificuldade.

Ce: Você considera viável focar no que cada criança tem mais aptidão? Por quê?
E1: Acho que pode-se focar, porém é necessário trabalhar tudo o que for possível.

Ce: Quais são os seus critérios de avaliação cognitiva no contexto atual?
E1: Não tem como avaliar nessa modalidade.

Ce: Você consegue perceber nos estudantes, neste contexto, o desejo de aprender a ler? Fale um pouco mais sobre isso.
E1: Eu acho que sim, mas assim, quando as mães relatam alguma coisa, não pela correção das atividades. Eu acho que pro primeiro ano tá bem complicado ser assim a distância. Por que assim, a gente avalia muito como a criança reage na sala né, quando a gente tá junto, acompanhando. Porque várias crianças com dificuldade vêm com tema perfeito né, então a gente nunca sabe até que ponto os pais às vezes naquela ânsia, naquela angustia de querer ajudar os filhos acabam meio que fazendo por eles e eles só copiam então eu acho que não tem como perceber esse tipo de coisa sem um relato dos pais ou sem um acompanhamento.

Ce: Você conta com o apoio dos pais neste desafio de ensinar à distância?
E1: Sim. Alguns pais entram em contato, tiram dúvidas né, mas tem muitos que não, que as vezes nem visualizam as mensagens do grupo

Ce: O que você sabe sobre o desenvolvimento emocional dos seus alunos?
E1: Ah, eu acho que agora assim, nesse período, eu acho que teve muito desgaste né, eu acho que eles estão cansados de ficar em casa e eu tenho medo de como é que vai ser esse retorno

Ce: Você consegue perceber, à distância, se seus alunos estão emocionalmente prontos para as atividades propostas?
E1: Não me considero apta. É muito difícil acompanhar e avaliar à distância.

Ce: Você já participou de algum treinamento sobre múltiplas inteligências ou inteligência emocional? Gostaria de aprender mais sobre isso?
E1: Não. Mas eu gostaria de aprender sobre isso

Ce: Você se sente cobrada/pressionada pela gestão da sua escola em relação aos resultados dos estudantes?
E1: Sim. Sinto. Muito. É muito cobrado e assim, no primeiro ano a gente sente muita angústia sabe, porque é a base né, então tem que ser bem feito. Então eu pelo menos me sinto muito cobrada e eu me cobro muito. Além de ser cobrada né, pela gestão, eu mesma me cobro muito

Ce: Você se sente cobrada/pressionada pelas famílias em relação ao seu trabalho?
E1: Em relação as famílias eu acho que tem, mas assim, esse ano, como a gente teve pouco contato com as famílias, né, foi muito pouquinho tempo, então eu não sei como que é. Mas é que assim: cada ano é um perfil diferente. Tanto de turma quanto de pais, né. Tem grupo de pais que são mais participativos, outros não.

Ce: Você sente algum tipo de medo ou desconforto em relação ao seu trabalho?
E1: Se sinto medo e desconforto? Sinto. Sinto muito, muito, muito. Eu tô sempre angustiada, tanto assim nessa parte que a gente tá a distância como quando é presencial. Pra mim não é uma coisa natural assim. Não sei se é porque eu sou muito ansiosa.

Ce: Que aprendizado você está tendo com essa experiência de educar à distância?
E1: Olha, pra mim tá sendo bem ruim. Muito mesmo. Eu acredito que se eu tivesse dando aula pra alunos assim, a partir do terceiro ano, eu estaria mais tranquila porque pelo menos as crianças poderiam ler as atividades né. Entendendo ou não, poderiam  fazer. Eu acho que seria muito mais tranquilo. Agora primeira série é bem complicado. Eu acho que é a pior série assim , no meu ver, pra fazer ensino a distância. Porque é muito, muito aquela parte ali da afetividade do professor, de tá junto, tá do lado, né, então acho que tá sendo bem ruim essa experiência.

(* resposta opcional)

Quero agradecer a participação da professora neste trabalho sobre a alfabetização em meio à pandemia.

Uma grande abraço!

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